Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2009 Karen Templeton-Berger. Todos os direitos reservados.

MAGIA NO CORAÇÃO, N.º 1325 - Maio 2012

Título original: A Marriage-Minded Man

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em portugués em 2012

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-687-0270-4

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

Capítulo 1

As folhas secas rangiam sob as rodas da carrinha enquanto Eli Garrett conduzia pela estrada da montanha, com uma mão sobre o volante e a outra a tamborilar no tabliê, ao som de uma melodia de Willie Nelson. No reboque, como acompanhamento, ouvia-se o barulho do escadote e de imensas ferramentas de trabalho cada vez que passava por um buraco.

Eram bons tempos, disse-se Eli, aproximando-se da última curva que conduzia a sua casa. Tinha um cheque de um dos seus clientes no bolso, um filme de 007 à espera dele em casa e, no banco do passageiro, uma bandeja com as empadas de frango de Evangelista Ortega. A noite parecia muito prometedora, sem mais nada para fazer senão passar o tempo com James Bond e saborear as melhores empadas de Santa Fé, pensou, enquanto chegava ao topo da colina onde se encontrava a sua casa.

– Que diabos…!

Eli teve de virar para não atropelar uma figura pequena e fantasmagórica que aparecera do nada, a fazer jogging do lado incorreto da estrada. A pessoa gritou e precipitou-se para uns arbustos, praguejando.

As ferramentas que havia no reboque fizeram um grande estrondo ao chocar umas com outras e Eli parou e saltou do carro.

– Lamento muito, não te tinha visto! – gritou Eli, correndo para a pessoa com quem quase chocara, que já estava a levantar-se. – Estás bem?

Iluminada pelos faróis do carro, uma mulher virou-se e, ao vê-la, Eli sentiu que o seu bom humor desaparecia como o fumo numa tempestade de neve.

Ficou petrificado, sem saber o que fazer. Ao reconhecê-lo, Teresa Morais, melhor dizendo, Montoya, também ficou rígida. Então, ela deu uma gargalhada seca.

– Meu Deus, Tess, pregaste-me um susto de morte – disse Eli, relaxando um pouco.

Sacudindo as folhas e o pó das calças, Tess lançou-lhe um olhar assassino.

– Sim, bom – disse ela. – Tu é que me assustaste. Idiota.

Tess baixou-se para olhar para um corte com muito mau aspeto na tíbia.

– Estou a sangrar? Não vejo nada com esta luz.

– Se te der uma olhadela, prometes não me atirar nenhum objeto?

– Hoje é o teu dia de sorte – replicou ela, olhando para ele com fúria. – Não estou armada.

– Tens a certeza? Essa fita do cabelo parece perigosa…

– Diabos, Eli! Dá uma olhadela à ferida e cala-te.

Eli baixou-se ao seu lado, tentando ignorar o seu cheiro, o mesmo que costumava excitá-lo quando era adolescente. Umas sensações que ameaçavam apoderar-se dele mais uma vez, sobretudo quando pegou na perna de Tess e sentiu a sua pele fresca e suave…

– Eh!

– Lamento – murmurou ele e, ao tocar-lhe no tornozelo, apercebeu-se de que ela se depilara há pouco tempo. – Sim, estás a sangrar bastante. Um ramo ou algo fez-te um bom arranhão. O que estavas a fazer a correr a estas horas da noite? E porquê aqui?

– Ainda havia luz quando comecei a correr – replicou Tess, tirando um lenço de papel do bolso. – E não tinha intenção de me afastar tanto. Na verdade, não tencionava correr, só dar um passeio, mas perdi a noção do tempo.

Eli apercebeu-se de que lhe tremia a mão enquanto limpava o sangue, como se o seu ânimo beligerante a estivesse a abandonar.

Como se fosse uma mulher ainda ressentida com o seu recente divórcio…

– Espera – disse Eli, suspirando. – Tenho toalhetes e água na carrinha.

Eli surpreendeu-se por Tess não se mexer. Quando regressou com os toalhetes, viu que ela se sentara, com os braços à volta das pernas dobradas e a testa apoiada nos joelhos. Conhecendo-a, esperara vê-la a afastar-se, resmungando e assegurando que não precisava de ajuda.

– Toma – indicou ele e deu-lhe um toalhete.

Tess levantou a cabeça, pegou no toalhete e pô-lo sobre a ferida, fazendo uma careta. Uma lágrima caiu pela sua face e ela limpou-a imediatamente.

– Estás bem?

– Estou bem – replicou ela. – A sério.

Eli sentou-se ao seu lado, tentando conciliar o que estava a ver com a imagem da rapariga rebelde de dezasseis anos por quem ele estivera loucamente apaixonado e a executiva agressiva em que se transformara nos últimos anos. Embora a verdade fosse que não se viam muito nesse tempo e mal tinham trocado uma dúzia de palavras desde o dia em que ele cometera o seu maior erro.

Mas numa vila como Terra Rosa era possível passar anos sem falar com alguém e, mesmo assim, conhecer a sua vida detalhadamente. Ouviam-se rumores, alguma alma caridosa mantinha-o ao corrente ou via as coisas com os seus próprios olhos.

– Onde estão as crianças? – perguntou ele, trocando o toalhete ensanguentado por um limpo.

– Em Albuquerque. Com o seu pai – respondeu Tess, com outra careta. Depois, olhou para Eli com os olhos cheios de raiva e voltou a baixar o olhar para a ferida. – Ontem teria sido o nosso nono aniversário.

– Lamento muito.

Tess encolheu os ombros e levantou o toalhete.

– Achas que deixou de sangrar?

– Não tenho a certeza. Não vejo muito bem. Consegues andar?

– Claro que consigo – replicou ela e levantou-se.

– Vamos, vou levar-te a minha casa e tratar da ferida.

Cerrando os dentes de dor, Tess deu outro passo e praguejou.

– Porque não me levas a minha casa?

– Porque algo me diz que não devias estar sozinha neste momento.

Eli sentiu como o observava. Apercebeu-se, também, de que estava muito dorida, e não só por causa da perna.

– Não recordo ter-te pedido ajuda – indicou Tess. – Se não queres levar-me a casa, voltarei ao meu próprio ritmo.

– Para chegares na semana que vem?

Ela olhou para ele com raiva e Eli teve de se conter para não se rir.

– Olha, o que te parece se formos a minha casa limpar ferida e, depois, te levar à tua? – propôs Eli e, ao ver que ela continuava a hesitar, acrescentou: – Talvez encontre um pouco de uísque em algum lugar.

– Para quê? Tens de amputar?

– Nunca é demasiado estar preparado.

Murmurando alguma coisa, Tess começou a dirigir-se para a carrinha. Eli tentou agarrá-la pela cintura para a ajudar, mas recebeu uma palmada como negativa. Ela andou, a coxear, os cinco metros que havia até ao carro e agarrou-se à porta quando chegou, tentando recuperar o fôlego.

Eli tirou as empadas do banco do passageiro e, quando Tess se sentou, emitiu um som que era uma mistura de suspiro e gemido.

– São as empadas de Eva? – perguntou ela.

– Sim – respondeu ele. – Há muito tempo que não as comes?

– Algum.

Pensando que as mulheres eram um problema, Eli fechou a porta e deu a volta ao carro, para se sentar no seu lugar.

– Não me importo de partilhar.

– Não é preciso, estou bem.

Passando a mão pelo cabelo, Eli pôs a carrinha a trabalhar.

– Talvez o teu estômago não esteja de acordo.

Tess cruzou os braços. O seu estômago queixava-se.

– Tenho comida em casa – replicou ela.

Eli decidiu não insistir.

Chegaram a sua casa em menos de dois minutos. Era uma pequena construção de adobe, confortável e pouco pretensiosa, junto de um edifício maior que albergava a oficina de carpintaria familiar. E, a cerca de quarenta metros, era a casa dos seus pais.

Tess saiu do carro e ficou a olhar para a casa.

– Não se vê muito bem na escuridão – comentou ele, tirando as empadas do carro e esperando que ela começasse a coxear atrás dele quando estivesse pronta.

– Claro – murmurou ela e começou a andar.

Finalmente, chegou à casa.

– Ena! – exclamou Tess, ao entrar. O espaço aberto estava limpo e espaçoso.

– Sim, a senhora da limpeza veio hoje – replicou ele, num tom sarcástico.

– Senhora da limpeza?

Eli pousou a bandeja de empadas na cozinha e tirou o casaco.

– Não, Tess, não tenho criada. Talvez o chão não esteja suficientemente limpo para comer nele, mas sei lavar a loiça e deitar o lixo fora.

– Bom, eu… – balbuciou Tess e suspirou. – A casa de banho?

– Em frente e à direita. O estojo de primeiros socorros está por baixo do lavatório. Suponho que não queres que te ajude, pois não?

– Não – disse ela e começou a coxear para a casa de banho.

Dez segundos depois, Eli ouviu um grito. Correu para a casa de banho e encontrou Tess a olhar-se ao espelho com uma careta.

– Porque não me disseste que tenho metade do bosque no cabelo? – protestou ela, sacudindo ramos e folhas.

À luz, Eli reparou que dez anos e dois filhos lhe tinham acrescentado alguns quilos a mais.

– Estava escuro – indicou ele. – Não percebi – explicou e apoiou-se na porta, observando-a. – Nunca antes te tinha visto com o cabelo curto.

Tess olhou para ele nos olhos por um segundo antes de virar a cara para o espelho.

– Cansei-me de o ter comprido – indicou ela, com suavidade, penteando-o com os dedos e deixando cair os ramos e folhas no chão da casa de banho.

– Fica-te bem – observou ele e virou-se para se ir embora, deixando-a sozinha.

Tess abraçou-se, apoiada no lavatório, que estava mais limpo do que esperara. No seu suporte, só tinha um copo com uma lâmina de barbear.

Tentou acalmar os batimentos acelerados do seu coração. Em que diabos estivera a pensar?, perguntou-se, porque não se virara para se afastar da sua casa? Possivelmente, a única coisa que quisera fora escapar. De tudo. Não para sempre. Só durante um tempo.

Mas… como acabara na casa de banho de Eli?

Isso era estranho.

Não se tinham visto mais de uma dúzia de vezes depois da sua rutura, recordou Tess. A verdade era que tinham acabado bastante mal. Ao olhar para trás, pensou que, talvez, abusara um pouco ao persegui-lo pela avenida Principal com uma esfregona. Embora o mais provável fosse que não lhe tivesse feito nenhum dano sério, supondo que conseguia alcançá-lo. Mas isso fora há muito tempo e ela já não sentia nada por ele. Não depois de doze anos, um casamento destruído e de filhos.

Suspirando, Tess tirou o estojo de primeiros socorros e, pela primeira vez, examinou a ferida. Ena! Não ia ficar coxa, pensou, mas teria de prescindir de usar minissaia durante um tempo.

Sentou-se na sanita e humedeceu uma gaze com remédio para aplicar na ferida. Assobiou e praguejou. E começou a chorar de dor e, sobretudo, de raiva e frustração, em conjunto com um pouco de tristeza. Passara todos aqueles anos a temer perder Ricky e, no fim, perdera-o na mesma.

Tess conseguia suportar a dor da perda. As pessoas mudavam, os casais separavam-se e seguiam em frente, cada um para seu lado.

No entanto, a raiva era nova para ela. E isso assustava-a porque não conhecia os seus limites. Fora a raiva que a tinha impulsionado a sair de sua casa há duas horas e a afastá-la mais do que o devido.

Perdida nos seus pensamentos, pôs uma pomada antibiótica e ligou a ferida. Pouco a pouco, estava a sobrepor-se ao susto do acidente. Quando apoiou a perna no chão, não lhe doeu tanto. Guardou o estojo de primeiros socorros no seu lugar e dirigiu-se para a sala de jantar, mobilada ao estilo rústico, confortável, limpa e espaçosa.

Não parecia o lar de um solteiro, à exceção das duas prateleiras cheias de videojogos e das consolas que havia junto à televisão.

– Qual é o diagnóstico? – perguntou Eli, da mesa da sala de jantar.

Tess apercebeu-se, então, de que ele pusera a mesa para dois. E observou, pela primeira vez, o homem que tinha à sua frente. Eli parecia mais alto. Mais sólido. Tinha o cabelo loiro e encaracolado, tal como há anos, demasiado comprido para o seu gosto. E uma t-shirt larga e calças gastas, como sempre. Também continuava a parecer muito seguro de si próprio. E muito atraente.

Tess encolheu os ombros, com as mãos nos bolsos do casaco, dizendo-se que seria ridículo tentar seduzi-lo, agindo como uma divorciada desesperada.

– Não é preciso amputar. O que é isto?

– O jantar – respondeu ele.

Eli lançou-lhe um daqueles sorrisos irresistíveis, em que se marcavam as covinhas, e pôs um candelabro sobre a mesa. E pôs um prato de empadas e, depois, o outro, como Enrique costumava fazer no passado, quando eram recém-casados e o futuro lhes parecera seguro e prometedor.

– Pensei que tinha dito… – começou a dizer ela, irritada.

– Sei o que disseste – interrompeu Eli.

Tess ficou ainda mais furiosa ao ver como olhava para ela. Um olhar que a fazia sentir desejada e que, ao mesmo tempo, ele dedicava a todas as mulheres do condado…

– Passei todo o dia a trabalhar – continuou Eli.

Tess não pôde evitar fixar-se nos lábios dele e recordar como beijava bem, o que a fez enojar-se ainda mais.

– E tu vives na outra ponta da vila. Portanto, vou comer antes de te levar a casa, se não te importares. E, como a minha mãe me ensinou que não é de boa educação comer à frente de outras pessoas sem lhes oferecer comida… – continuou ele e apontou para o outro prato. – Podes jantar comigo.

Tess ficou a olhar para a mesa. Arranjou o cabelo e, ao recordar que o cortara há pouco tempo, sentiu que a sua raiva aumentava, fora de controlo. Por nenhuma razão em especial, um tumulto de pensamentos negativos apoderou-se da sua mente, da sua alma e do seu corpo…

– Tess? – chamou ele, com suavidade. – Não te preocupes.

Tess sentiu-se muito estranha, pois não estava habituada a ser encorajada ou consolada. Eli tinha as mãos apoiadas nas costas de uma cadeira de madeira e o seu olhar era quente, firme e nada ameaçador. Não tinha nada a ver com o olhar que achava ter percebido antes nele.

Bom, pelo menos, a coisa parecia melhorar um pouco, pensou Tess.

– Está bem – disse ela, porque estava cheia de fome e porque na sua casa só tinha piza congelada.

Suspirando, aproximou-se da mesa e deixou-se cair na cadeira que Eli lhe oferecia. Pensou adivinhar um sorriso nele antes de se dirigir para o frigorífico, uma velha relíquia que tremia cada vez que se abria a porta.

– O que queres beber? Tenho chá, refresco, água…

– O que aconteceu à tua oferta de uma coisa mais forte?

Eli virou-se com os olhos brilhantes e as covinhas marcadas. A sua beleza era muito perigosa, disse-se ela.

– Penso que não é muito boa ideia beber uísque com o estômago vazio.

E ela achava que não conseguiria superar os vinte minutos seguintes se não bebesse alguma coisa para adormecer os seus sentidos. Em especial, os que se encarregavam de reagir aos sorrisos provocadores de antigos namorados sensuais e com má reputação.

– Uma cerveja, então? A menos que não tenhas.

– Oh, sim, tenho, mas…

– Dá-me uma – pediu ela e, ao ver que Eli olhava para ela com um ar dúbio e protetor, acrescentou, incomodada: – Consigo aguentar uma cerveja, Eli. Sobretudo, se vou comer.

E o que importava se se embebedasse um pouco?, perguntou-se Tess. Duvidou que o mundo parasse por isso. Que diabos, pensou, enquanto via como Eli lavava um copo e servia a cerveja nele. Passara muito tempo a ocupar-se de tudo e de todos. Portanto, o que importava se se permitisse uma cerveja pequena de vez em quando? Além disso…

– Além disso… – disse ela, dando voz aos seus pensamentos e olhando para Eli nos olhos. – Isto é estranho, não achas? Eu aqui contigo, em tua casa. Na minha vida estão a acontecer coisas muito estranhas ultimamente…

– Entendo – replicou ele e deu-lhe a cerveja. Depois, sentou-se.

Era um homem forte, grande, sólido e masculino como poucos, apreciou Tess. E com muito má reputação, repetiu-se.

– Não achas que isto é estranho?

– Diabos, sim – replicou ele e levantou o seu copo para ela.

Eli olhou para ela com os seus bonitos olhos castanhos. Quase dourados, tal como o seu cabelo.

Tess bebeu três goles seguidos da sua bebida, quase a acabou.

Eli agarrou-lhe o copo.

– Eh! Devolve-me isso.

– Só quando comeres alguma coisa – disse Eli e começou a comer as empadas, depois de pôr o copo de Tess fora do seu alcance.

Só depois de Tess comer várias empadas e ter os olhos brilhantes por causa do picante é que Eli lhe devolveu a sua bebida. Ardia-lhe a boca e acabou-a. Deixou escapar um arroto.

– Ena! – disse Eli, sorrindo.

Tess pestanejou, olhando para ele. Pareceu-lhe que conseguia ver como a sua pele masculina deixava escapar as feromonas, como se fossem fantasmas a sair das sepulturas no Dia das Bruxas.

– Sabes? Estas empadas estão quase tão boas como as que eu faço – comentou ela, fincando-lhes o garfo.

– Nem pensar – opinou Eli, pondo um pedaço na boca. – Ninguém faz empadas melhores do que Evangelista.

– Achas? Eu adoro Eva com todo o meu coração, mas a receita da minha avó… Diz-se que as pessoas chegaram a matar para provar as suas empadas.

– A sério?

– Bom, não. Mas quase – afirmou Tess, pôs outro bocado na boca e voltou a arrotar. Depois, olhou para o seu copo. – Está vazio.

Rindo-se, Eli levantou-se e tirou um jarro do frigorífico.

– E um pouco de chá?

– Não. Posso beber chá em minha casa – replicou ela e deu-lhe o copo vazio. – Dá-me outra cerveja, homem – pediu e riu-se. Começou a ter soluços.

– Tens a certeza? – perguntou ele, olhando para ela, divertido.

– Não vou conduzir, não faz mal. Oh, vá lá, tem piedade desta pobre divorciada. Eh? O que pode acontecer se beber outra cerveja?

– Podes vomitar em cima do meu tapete?

Ela passou a mão pelo cabelo.

– Não vomitei quando estava grávida – disse Tess e, então, ficou triste ao pensar nos seus filhos, em como os amava e em como era difícil para ela quando estavam com o seu pai, embora isso só acontecesse uma vez por mês. E ali estava, sentada na cozinha de Eli Garrett, a beber a sua cerveja e a esquecer os seus filhos. Mas não se esquecera deles, porque tinha-os sempre na cabeça.

Pensou que talvez estivesse a começar a sentir-se um pouco… confusa.

Nada que outra cerveja não pudesse resolver.

– Por favor… – insistiu ela.

E Eli pegou no seu copo e serviu outra cerveja.

– Precisas de ajuda? – perguntou Tess, quando Eli começou a levantar a mesa depois do jantar.

– Não. Está tudo sob controlo. Vou lavar a loiça e levar-te a casa. Se estiveres pronta.

– Claro – assentiu ela e levantou-se da cadeira.

Eli observou com alívio que conseguia levantar-se. Não estava sóbria, tinha bebido ao ponto de não sentir a dor, mas, por sorte, não abusara, pensou ele.

Eli saíra com muitas mulheres que bebiam nos últimos anos e fartara-se desse divertimento estúpido. E, além disso, embebedar Tess… não lhe parecia correto.

Em qualquer caso, Eli teve a sensação de que a cerveja fora apenas um meio para relaxar, algo que parecia que Tess não fazia há muito tempo. Durante o jantar, falara dos seus filhos, Miguel e Julia, do seu irmão Jess, que se casara há pouco com Rachel e acabara de ter um filho… coisas assim. De facto, cada vez que ele tentara concentrar a conversa nela, Tess conseguira mudar de assunto.

A verdade era que ele sentia curiosidade pelo que acontecera entre Enrique e Tess, que tinham passado a maior parte do seu casamento a trabalhar no estrangeiro. Além disso, vira o seu irmão mais velho, Silas, passar por um divórcio e sabia como era difícil. Sobretudo, para pessoas boas. Como o seu irmão. Ou como Tess.

Mesmo assim, o seu instinto protetor por ela ia além do comum. Porque se importava se Tess se embebedava ou não?

E ali parado, à frente do lava-loiça, viu como Tess se dirigia para o salão com as mãos nos bolsos do casaco e temeu que caísse a qualquer momento.

– Está tudo bem por aí? – perguntou ele.

Tess assentiu.

– Eu gosto de como decoraste isto.

Pondo os pratos na máquina de lavar louça, Eli riu-se.

– Penso que decorar é dizer demasiado. A menos que aches que desfazer-me do lixo e deixar o espaço livre é decorar.

– É… – começou a dizer ela e olhou para ele com um ar confuso. – É como tu.

Eli fechou a máquina de lavar louça.

– Pronta para ir?

Então, viu como Tess se deixava cair sobre o velho sofá que pertencera aos seus pais. As almofadas estavam gastas de terem sido esmagadas por muitos rabos diferentes ao longo dos anos, mas continuava a ser muito confortável…

– O que se passa? – perguntou ele, quando viu que Tess se deitava, com os olhos fechados.

– Penso que estou maldisposta.

– Vais vomitar?

– Já te disse que eu não faço essas coisas – indicou ela, rindo-se com suavidade.

– Nem sequer quando tens problemas de estômago?

– Não.

– Ah… E porquê?

– Por causa da minha vontade de aço – disse ela, esforçando-se para falar.

Eli cruzou os braços e tentou não pensar em como parecia frágil e vulnerável, deitada no sofá.

– Estás confortável?

– Tão confortável como posso estar depois de o meu cérebro passar por um triturador.

– Então, estás bêbada.

– Possivelmente. Um pouco – disse ela e abriu os olhos finalmente, franzindo o sobrolho. – Não esperava que fosses… amável.

– Sou sempre amável! – protestou ele.

– Quero dizer, realmente amável.

– O que significa isso?

– Não tenho a certeza – respondeu ela e aninhou-se um pouco mais no sofá. Deu um grito quando a bola de pelo que vivia na casa saltou para o braço do sofá, para o seu lado. – Santo Deus! O que é isto?

– Um gato. Não parece?

– Não, parece que saiu de um filme de terror dos anos cinquenta. Depois de uma experiência com radiação que correu mal. Espera… – disse ela e olhou para Eli, surpreendida. – Tens um gato?

– Parece-te mal? E é uma gata.

– Diabos, é maior do que a minha filha de dois anos – observou Tess, olhando para o animal novamente.

– Tem de ser grande para sobreviver no bosque. Uma vez, perseguiu um urso e obrigou-o a subir a uma árvore.

– Estás a brincar…

– Queres ver o vídeo?

– Não, basta-me a tua palavra. E como se chama?

– Roquelina – respondeu ele, corando um pouco. Sabia que ela perguntaria mais cedo ou mais tarde.

Tess olhou para ele com os olhos esbugalhados e, um instante depois, deu uma gargalhada nada feminina.

– Não falas a sério.

– Eu não lhe dei o nome, está bem? Era a gata da mãe de um dos meus clientes. A senhora morreu e o meu cliente era alérgico. Tive a má sorte de entrar em sua casa nesse momento, por isso pediu-me se podia ficar com ela.

– E tu disseste que sim.

– O meu cliente tinha pedido a pelo menos dez pessoas. Ou era eu ou atiravam-na ao rio. De qualquer forma, olha para o focinho dela. Como podia rejeitar um focinho assim?

– E chamas-lhe Roquelina? – perguntou ela, rindo-se.

– A verdade é que lhe chamo Lina, por razões óbvias.

Lina olhou para Eli do braço do sofá. Tinha uma orelha meio mordida e há muito tempo que não se deixava escovar. Possivelmente, não dava muito boa impressão, pensou ele.

Ao sentir que o seu dono olhava para ela com ternura, a gata saltou do sofá, correu para ele e enroscou-se numa das suas pernas. Quando ele pegou nela ao colo e a acariciou, começou a ronronar a todo o volume, deixando claro que adorava.

– Tu com uma gata. Incrível – replicou Tess e sorriu.

Por um instante, Eli pensou que se parecia com a jovem que ele tinha conhecido. Então, Tess pegou na caixa que havia sobre a mesa e tirou o filme que tinha lá dentro.

– Bond, eh?

Porque continuava ali?, perguntou-se Eli, incomodado. E começou a não se sentir tão protetor. Acariciou a gata com mais força.

– O Bond de Craig.

– Eu prefiro o de Brosnan.

– Então, vai-te embora.

– O que posso dizer? – replicou ela, levantando-se. – Eu gosto de homens suaves… Oh, diabos…

A gata caiu. Eli soltou-a para agarrar Tess quando ela perdeu a força nas pernas. Ela apoiou-se no peito dele por um instante e afastou-se imediatamente, passando a mão pelo cabelo.

– Senta-te – disse ele.

– Não preciso de me sentar. Estou bem. Eu… – balbuciou Tess e os seus olhos encheram-se de lágrimas. Começou a dirigir-se para a porta. Mas voltou a cambalear e caiu sobre uma poltrona.

– Tess!

– Sabes quando foi a última vez que vi um filme com outro adulto? – perguntou ela, olhando para ele com olhos chorosos.

Eli perdeu a esperança que albergara de que ela se fosse embora antes de algum deles fazer algo estúpido. Porque era óbvio que Tess estava a começar a desabafar. E, como fora ele que insistira em convidá-la para sua casa, não seria correto livrar-se dela sem mais nem menos.

– Estás convidada para ficar e ver…

– Não é isso! – gritou Tess, alterada. – O que se passa é… Não se passa nada!

Tess começou a dar voltas na sala como se quisesse ir-se embora a qualquer momento. Possivelmente, não era boa ideia interrompê-la, pensou Eli.

– Sabes o que senti quando Ricky me disse que queria o divórcio? Alívio! Finalmente, podia parar de suster a respiração porque tinha acabado de uma vez por todas. Ele já não era a minha responsabilidade! Não haveria mais noites acordada, a preocupar-me com quando voltaria para casa ou se voltaria para casa. Tantos anos a temer que ele morresse em combate… E tudo para nada, Eli! Para nada!