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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1985 Nora Roberts

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

No calor da noite, n.º 45 - Maio 2014

Título original: Night Moves

Publicado originalmente por Silhouette® Books

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5260-0

Editor responsable: Luis Pugni

 

Conversión ebook: MT Color & Diseño

Índice

 

Portadilla

Créditos

Índice

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Volta

Um

 

– O que raio fazes num lugar como este?

Maggie, de cócoras, não levantou o olhar.

– C. J., estás a repetir-te.

C. J. puxou para baixo o seu pulôver de caxemira. Era um homem que convertia a preocupação em arte e Maggie preocupava-o. Frustrado, olhou-lhe para o cabelo castanho-claro apanhado. Tinha o pescoço esbelto e pálido, e os ombros levemente curvados enquanto apoiava o peso nos antebraços. A sua compleição era delicada, o tipo de fragilidade que sempre tinha associado às damas aristocratas de Inglaterra do século XIX.

Usava uma t-shirt e calças de ganga, ambas gastas e ligeiramente húmidas pela transpiração. Ao olhar-lhe para as mãos elegantes e ver como estavam sujas, tremeu. Sabia a magia que eram capazes de fazer.

«É uma fase», pensou. Só estava a passar por uma fase. Depois de dois casamentos e algumas aventuras, C. J. entendia que as mulheres passassem de vez em quando por estados de espírito peculiares. Passou um dedo pelo bigode loiro fino. Dependia dele conduzi-la com gentileza de volta ao mundo real.

Ao olhar à volta e ver apenas árvores, rochas e isolamento, perguntou-se se haveria ursos no bosque. No mundo real, esses animais estavam no jardim zoológico.

– Maggie, quanto tempo pensas continuar desta maneira?

– De que maneira, C. J.? – perguntou em voz baixa e rouca, como se acabasse de acordar.

Era uma voz que fazia com que a maioria dos homens desejasse tê-la acordado.

Aquela mulher desesperava-o. C. J. passou uma mão pelo cabelo impecavelmente cortado e cuidadosamente penteado. Perguntou-se o que fazia a quatro mil quilómetros de Los Angeles, a fazer aquele trabalho poeirento. Tinha uma responsabilidade para com ela e também para consigo mesmo. Suspirou. Afinal, as negociações eram a sua especialidade. Dependia dele incutir-lhe um pouco de bom senso. Mexeu os pés, com o cuidado de manter os mocassins lustrosos longe da terra.

Naquela ocasião, Maggie virou a cabeça e olhou para ele com um sorriso que envolveu cada centímetro da sua cara: a boca quase demasiado grande, o queixo um pouco bicudo, as maçãs do rosto salientes. Os olhos grandes, arredondados e de um tom mais escuro que o do cabelo acrescentavam o último toque. Não era um rosto deslumbrante. Era o que alguém diria enquanto tentava decifrar o motivo pelo qual ficara deslumbrado. Inclusive naquele momento, sem maquilhagem e com terra numa face, a sua cara cativava. Maggie Fitzgerald cativava porque era exatamente o que parecia. Interessante. Interessada.

Estava de cócoras e soprou uma madeixa de cabelo da cara enquanto olhava para o homem que a observava carrancudo. Sentiu uma vaga de afeto e diversão.

– C. J., eu também te adoro. Agora, para de te comportar como uma solteirona.

– Não pertences aqui – começou, mais exasperado do que ofendido. – Não deverias estar de cócoras na terra...

– Eu gosto – interrompeu-o com simplicidade.

Foi exatamente a simplicidade do tom que lhe revelou que tinha um verdadeiro problema. Se tivesse gritado ou discutido, a sua oportunidade de lhe mostrar o caminho de volta teria estado garantida, mas quando se mostrava daquela maneira, com uma obstinação serena, fazê-la mudar de ideias seria como escalar o Evereste. Perigoso, traiçoeiro e cansativo. Como era um homem inteligente, mudou de tática.

– Maggie, consigo entender que desejes afastar-te uma temporada para descansares um pouco. Ninguém o merece mais do que tu – pensou que era um toque agradável, pois era verdade. – Porque não vais algumas semanas para Cancun ou às compras a Paris?

– Hum... Hum... – apoiou-se nos joelhos e alisou as pétalas dos amores-perfeitos que estava a plantar. Pareciam um pouco enfermos. – Podes passar-me esse regador?

– Não estás a ouvir-me.

– Sim, estou – esticou-se e agarrou ela mesma no regador. – Já estive em Cancun e tenho tanta roupa que tive de deixar metade em Los Angeles.

C. J. experimentou uma nova tática.

– Não sou só eu – recomeçou, vendo como regava os amores-perfeitos. – Todos os que te conhecem, que sabem disto, acham que...

– Me falta um parafuso? – concluiu Maggie. Decidiu que tinha regado demasiado a planta. Tinha muito que aprender a respeito da vida no campo. – C. J., em vez de me recriminares e tentares convencer-me a fazer uma coisa que não tenho intenção de fazer, porque não desces e me ajudas?

– Ajudar-te? – a sua voz refletiu o tom levemente consternado que poderia ter mostrado se lhe tivesse sugerido que misturasse um uísque de primeira com água da torneira.

Maggie riu-se entredentes.

– Passa-me esse vaso de petúnias – voltou a cravar a pequena pá na terra rochosa. – A jardinagem é uma coisa boa. Volta a pôr-nos em contacto com a Natureza.

– Eu não tenho desejo algum de entrar em contacto com a natureza.

Naquela ocasião, riu-se abertamente. O mais perto que C. J. podia estar da natureza era numa piscina. Até alguns meses antes, fora o mais perto que ela estivera, mas tinha encontrado algo de que nem sequer andava à procura. Se não tivesse ido à Costa Este para colaborar na banda sonora de um novo musical, se não tivesse seguido o impulso de continuar para sul depois de terem concluído as longas sessões, jamais teria descoberto aquela pequena cidade entre as Blue Mountains.

«Alguma vez sabemos qual é o nosso sítio se não tivermos a sorte de tropeçar no nosso próprio espaço pessoal?», perguntou-se. Só sabia que tinha empreendido uma viagem sem destino e que tinha chegado a casa.

Provavelmente fora o destino o que a tinha conduzido até Morganville, um conjunto de casas distribuídas pelas encostas das montanhas, com uma população de cento e quarenta e duas pessoas. Se o destino a levara a Morganville, também a fizera passar por uma placa que anunciava uma casa à venda com uma propriedade de trinta hectares. Não existira nenhum momento de indecisão, nenhuma objeção ao preço, nenhuma dúvida de última hora. Satisfizera os requisitos e tivera a escritura na mão em trinta dias.

Ao observar a casa de dois andares, com as portadas ainda tortas, não lhe custou imaginar que os seus amigos e colegas de trabalho questionassem o seu estado mental. Trocara o seu vestíbulo de mármore italiano e a sua piscina de azulejo por dobradiças oxidadas e pedras. Fizera-o sem olhar uma única vez para trás.

Bateu a terra à volta das petúnias. Pareciam mais vivas do que os amores-perfeitos. Talvez estivesse a apanhar-lhe o jeito.

– O que te parece?

– Acho que deverias voltar para Los Angeles para acabar a banda sonora.

– Refiro-me às flores – sacudiu as calças de ganga ao levantar-se. – De qualquer forma, vou acabá-la... aqui.

– Maggie, como podes trabalhar aqui? – C. J. estendeu os braços num gesto abertamente teatral. – Como podes viver aqui? Este lugar nem sequer é civilizado.

– Porquê? Porque não tem um ginásio e uma butique em cada esquina? – passou uma mão pelo braço de C. J. – Vá... Respira fundo. O ar puro não te fará mal.

– A poluição é subestimada – murmurou, enquanto mexia os pés outra vez. A nível profissional, era o seu agente, mas, a nível pessoal, considerava-se seu amigo, provavelmente o seu melhor amigo desde a morte de Jerry. Pensando nisso, voltou a mudar de tom. Naquela ocasião, foi gentil. – Escuta, Maggie, sei que passaste por momentos difíceis. Talvez Los Angeles guarde demasiadas lembranças para ti neste momento, mas não podes enterrar-te aqui.

– Não estou a fazê-lo – apoiou as mãos nos seus antebraços e apertou-lhos. – E já enterrei Jerry há quase dois anos. Foi outra fase da minha vida, C. J., e não tem nada a ver com esta. Este é o meu lar. Não sei de que outra maneira explicá-lo – agarrou-lhe as mãos, esquecendo que tinha as suas cheias de terra. – Agora, esta é a minha montanha e aqui estou mais satisfeita e estabelecida do que alguma vez o estive em Los Angeles.

Sabia que era como bater com a cabeça contra uma parede, mas decidiu tentá-lo mais uma vez.

– Maggie – passou-lhe um braço pelos ombros, como se fosse uma menina que necessitasse que a guiassem. – Olha para este lugar – guardou silêncio enquanto ambos observavam a casa. Notou que no alpendre faltavam várias tábuas e que a tinta estava descascada. – Não podes falar a sério a respeito de viver aqui.

– Uma demão de tinta, alguns pregos... – encolheu os ombros. Há algum tempo que tinha aprendido que o melhor era prescindir dos problemas superficiais. Eram os que se agitavam sob a superfície, não totalmente visíveis, os que era necessário solucionar. – Tem tantas hipóteses, C. J.!

– A maior é que te caia em cima da cabeça.

– Arranjaram-me o telhado na semana passada. Um homem da zona, que devia medir um metro e meio e que era musculado como um touro, chamado Bog.

– Maggie...

– Foi muito amável – continuou. – Vai voltar com o filho para tratarem do alpendre e de mais alguns arranjos.

– Muito bem, tens um gnomo de martelo e serrote. E o que me dizes disto? – com um gesto, abrangeu a terra circundante. Era rochosa, irregular e cheia de mato. Nem sequer um otimista declarado teria sido capaz de a considerar parte de um jardim. Uma árvore grossa inclinava-se perigosamente na direção da casa, enquanto algumas trepadeiras espinhosas e flores silvestres tentavam arranjar espaço. Imperava o aroma a terra e a verde.

– Parece o castelo da Bela Adormecida – murmurou Maggie. – Lamentarei destruí-lo, mas o senhor Bog tem tudo sob controlo.

– Por acaso, também faz escavações?

Maggie inclinou a cabeça e arqueou os sobrolhos. Era uma expressão que fazia com que qualquer um com mais de quarenta anos pensasse na sua mãe.

– Recomendou-me um paisagista. Garantiu-me que Cliff Delaney é o melhor do condado. Vem esta tarde dar uma olhadela.

– Se for um homem inteligente, olhará para aquilo que consideras o caminho que conduz até aqui e seguirá em frente.

– Mas tu fizeste o caminho todo com o Mercedes alugado – virou-se, rodeou-lhe o pescoço com os braços e deu-lhe um beijo. – Não penses que não aprecio isso, o facto de teres vindo de avião até aqui ou de gostares o suficiente de mim para te preocupares comigo. Agradeço-te por tudo isso. E adoro-te – despenteou-lhe o cabelo, algo que ele não teria tolerado a mais ninguém. – Confia em mim, C. J. Sei o que estou a fazer. Profissionalmente, o meu trabalho só pode melhorar aqui.

– Vamos ver... – murmurou, mas levantou uma mão para lhe acariciar a face. Pensou que ainda era suficientemente jovem para ter sonhos néscios. E suficientemente doce para acreditar neles. – Sabes que não é o teu trabalho o que me preocupa.

– Sei – a sua voz suavizou-se. Não era uma mulher que controlasse as suas emoções, mas uma mulher que se via controlada por elas. – Necessito da paz que há aqui. Sabes que é a primeira vez que me sinto fora do carrossel? Gosto da terra firme, C. J.

Conhecia-a bem e sabia que naquele momento seria impossível demovê-la.

– Tenho um avião para apanhar – resmungou. – Enquanto insistires em ficar aqui, quero que me telefones todos os dias.

Maggie voltou a beijá-lo.

– Uma vez por semana – ofereceu. – Terás a partitura completa para o Heat Dance daqui a dez dias – com o braço à volta da cintura de C. J., acompanhou-o até ao caminho irregular e coberto de mato onde estava o Mercedes com um esplendor incongruente. – Adorei o filme. É ainda melhor do que pensei da primeira vez que li o guião. A música escreve-se praticamente sozinha.

Ele resmungou outra vez e olhou por cima do ombro para a casa.

– Se te sentires sozinha...

– Não me sentirei sozinha – com uma gargalhada, meteu-o no carro. – Foi maravilhoso descobrir como posso ser autossuficiente. Agora, boa viagem e para de te preocupar comigo.

Não o achou possível, enquanto com gesto automático verificava se tinha a Biodramina na pasta.

– Manda-me a partitura e, se for sensacional, talvez deixe de me preocupar... Um pouco.

– Será sensacional – afastou-se do carro. – Eu sou sensacional! Diz a toda a gente que decidi comprar cabras e galinhas.

O Mercedes parou de repente.

– Maggie...

Rindo-se, despediu-se com a mão e retrocedeu pelo caminho.

– Ainda não... Mas talvez no outono – decidiu que o melhor era tranquilizá-lo ou poderia sair do carro e recomeçar. – Eh, manda-me chocolates Godiva!

«Gosto mais assim», pensou C. J. e voltou a arrancar com o carro. Regressaria a Los Angeles em seis semanas. Olhou pelo retrovisor enquanto se afastava. Podia vê-la, baixa e esbelta, ainda a rir-se, com a terra, as árvores e a casa velha como pano de fundo. Voltou a sentir um calafrio, não pela sensibilidade ofendida, mas por algo parecido a medo. Teve a súbita certeza de que Maggie não se encontrava a salvo ali.

Abanou a cabeça e tirou os antiácidos do bolso. Toda a gente lhe dizia que se preocupava demasiado.

«Sozinha», pensou Maggie, enquanto via como o Mercedes desaparecia por aquela coisa pedregosa a que chamavam caminho. Não, não estava sozinha. Tinha a certeza de que jamais estaria sozinha ali. Experimentou um pressentimento inesperado, que descartou como ridículo.

Cruzou os braços e virou-se. As árvores erguiam-se nas encostas rochosas. As folhas ainda eram muito pequenas, mas dentro de poucas semanas cresceriam, convertendo a zona num exuberante dossel verde. Gostava de a imaginar dessa maneira e tentava vê-la em pleno inverno, toda branca, com gelo nos ramos e a refulgir nas rochas. No outono, haveria uma tapeçaria fora de cada janela. Não estava absolutamente sozinha.

Pela primeira vez na sua vida, dispunha da oportunidade de deixar a sua marca num lugar. Não seria uma cópia de nada que tivesse tido antes ou de algo que lhe tivessem dado. Seria sua e o mesmo aconteceria com os erros que cometesse, e também com qualquer triunfo. Não haveria nenhuma imprensa para comparar aquele lugar isolado no oeste de Maryland com a mansão da sua mãe em Beverly Hills ou com a villa que o seu pai tinha no sul de França. Se tivesse sorte, muita, muita sorte, jamais se encontraria com a imprensa. Poderia compor a sua música e levar a sua vida em paz e solidão.

Se ficasse muito quieta e fechasse os olhos, podia ouvir a música à sua volta. Não a dos pássaros, mas a da passagem do ar entre os ramos e as folhas diminutas. Se se concentrasse, podia ouvir o ribeiro estreito que corria do outro lado do caminho. A qualidade do silêncio era rica e fluía sobre ela como uma sinfonia.

A sua mãe fora uma das maiores cantoras de blues e baladas dos Estados Unidos, o seu pai fora um menino ator convertido em realizador de cinema de sucesso. O noivado e o subsequente casamento deles fora seguido por admiradores de todo o mundo. O seu nascimento fora um acontecimento tratado como o nascimento da realeza. E levara a vida de uma princesa mimada. Carrosséis de ouro e casacos de pele branca. Fora afortunada porque os seus pais a tinham adorado e se amavam. Isso tinha compensado o ambiente fictício, com frequência com arestas duras, do mundo do espetáculo, com todas as suas exigências e inconstâncias. O seu mundo fora amortecido pela riqueza e pelo amor, embora agitado constantemente pela publicidade.

Os paparazzi tinham-na perseguido nos seus encontros durante os anos da adolescência... Para sua diversão, mas com frequência para frustração do seu acompanhante. Maggie tinha aceitado o facto de que a sua vida era do domínio público. Nunca fora de outra maneira.

E quando o avião privado dos seus pais se despenhara nos Alpes Suíços, a imprensa tinha congelado a sua dor em papel couché e letra impressa. Não tinha tentado detê-la, tinha compreendido que o mundo sofria com ela. Tinha dezoito anos quando o seu mundo se vira arrasado.

Depois, fora Jerry. Primeiro, amigo, em seguida, amante e depois, marido. Com ele, a sua vida tinha derivado para mais fantasia e mais tragédia.

Não ia pensar em nada daquilo naquele momento. Pegou na pá e retomou a luta com a terra dura. A única coisa que restava realmente daquela fase da sua vida era a música. Jamais a deixaria. Não poderia fazê-lo mesmo que o tentasse. Fazia parte dela. Compunha palavras e música, e unia-as, não sem esforço, como às vezes podia parecer pelo resultado final fluido, mas de forma obsessiva, maravilhada e constante. Ao contrário da sua mãe, não cantava, mas alimentava outros artistas com o seu dom.

Com vinte e oito anos, tinha dois Óscares, cinco Grammys e um Tony. Podia sentar-se ao piano e tocar de cor qualquer música que alguma vez tivesse escrito. Os prémios ainda estavam nas caixas em que tinham sido enviados de Los Angeles.

Começou a cantar enquanto trabalhava. Tinha esquecido por completo a sua anterior apreensão.

 

 

Regra geral, não realizava os cálculos e planos iniciais. Já não. Durante os últimos seis anos, Cliff Delaney estivera na posição de poder mandar um ou dois dos seus melhores homens executar a primeira fase de um projeto. Em seguida, ele encarregava-se da sintonia. Se o trabalho fosse suficientemente interessante, visitava o local durante as obras. Naquele momento, abria uma exceção.

Conhecia a antiga propriedade dos Morgan. Fora construída por um Morgan, assim como a diminuta comunidade situada a alguns quilómetros de distância que tinha recebido o nome em honra de um deles. Durante dez anos, desde que o carro de William Morgan tinha caído no Potomac, a casa estivera vazia. Sempre fora uma construção austera, com uma terra formidável, mas sabia que, com o toque adequado, com a visão adequada, poderia chegar a ser magnífica. Tinha as suas dúvidas de que aquela mulher de Los Angeles possuísse a visão adequada.

Sabia quem era. Qualquer pessoa que não tivesse passado os últimos vinte e oito anos numa caverna sabia quem era Maggie Fitzgerald. Naquele momento, era a notícia mais importante de Morganville... E praticamente tinha eclipsado o mexerico a respeito da fuga da mulher de Lloyd Messner com o diretor do banco.

Era uma cidade simples, daquelas que andam lentamente, onde todos se orgulhavam da aquisição de um novo carro de bombeiros e do desfile anual do Dia dos Fundadores. Por isso tinha escolhido viver ali depois de chegar a um ponto em que poderia viver onde escolhesse. Tinha crescido ali e entendia a sua gente, a sua união e o seu sentimento de posse. Compreendia os seus fracassos. E mais, muito mais do que isso, compreendia a terra. Tinha sérias dúvidas de que a sofisticada compositora da Califórnia entendesse algo disso.

Mas, talvez antes de Maggie Fitzgerald se fartar da tentativa de levar uma vida rural, ele pudesse deixar a sua marca naquelas terras.

Saiu da estrada para entrar no caminho de quinhentos metros que atravessava a propriedade Morgan. Há anos que não ia ali e estava pior do que recordava. A chuva e o abandono tinham aberto sulcos na terra. De ambos os lados, os ramos cruzavam-se e açoitavam a sua carrinha. Pensou que a primeira coisa a tratar seria o caminho. Seria necessário, aplaná-lo, abrir sarjetas de drenagem e espalhar cascalho.

Avançou devagar, não pela carrinha, mas porque gostava da terra de ambos os lados do caminho. Era selvagem e primitiva, intemporal. Quereria trabalhar com isso, incorporar o seu próprio talento no génio da Natureza. Se Maggie Fitzgerald desejasse asfalto e plantas de estufa, batera à porta errada. Seria o primeiro a fazê-la sabê-lo.

Maggie ouviu o veículo antes de aparecer. Essa era outra coisa de que gostava no seu novo lar. Era tranquilo... Tanto que o som de uma carrinha, algo que na cidade teria passado despercebido, lhe chamava a atenção. Limpando as mãos à parte de trás das calças de ganga, levantou-se e protegeu os olhos do sol.

O veículo contornou a curva e estacionou onde uma hora antes estivera o Mercedes. Um pouco poeirento pelo caminho, com o cromado apagado, parecia muito mais cómodo do que o carro de luxo. Embora ainda não conseguisse ver o condutor devido ao reflexo do sol no para-brisas, sorriu e levantou uma mão em sinal de saudação.

A primeira coisa que Cliff pensou foi que era mais pequena do que esperava, de compleição mais delicada. Os Fitzgerald sempre tinham sido maiores do que a vida. Com um resmungo, perguntou-se se quereria plantar orquídeas para que encaixassem com o seu estilo. Saiu da carrinha, convencido de que ia irritá-lo.

Provavelmente por estar à espera de outro senhor Bog, Maggie sentiu um aperto no estômago quando Cliff saiu da carrinha. Ou provavelmente pelo facto de que se tratava de um magnífico exemplar de masculinidade. Decidiu que media um metro e oitenta e cinco, com uma impressionante largura de ombros. O cabelo preto despenteado pelo vento que entrara pela janela aberta caía-lhe sobre a testa e as orelhas. Não sorria, mas tinha uma boca esculpida e sensual. Fugazmente, lamentou que usasse óculos de sol. Avaliava as pessoas pelos olhos.

Avaliou-o pelo modo como se mexia... Com desenvoltura e segurança. Atlético. Estava a um metro de distância quando teve a impressão de que não era especialmente amigável.

– Menina Fitzgerald?

– Sim – ofereceu-lhe um sorriso neutro ao mesmo tempo que lhe estendia a mão. – Vem da parte da Delaney’s?

– Exato – as suas mãos tocaram-se brevemente, uma suave e a outra dura, ambas eficazes. Sem se incomodar em apresentar-se, Cliff observou o terreno. – Queria um orçamento para ajardinar o terreno.

Maggie seguiu o olhar dele e naquela ocasião esboçou um sorriso divertido.

– É evidente que precisa de alguma coisa. A sua empresa faz milagres?

– Fazemos o trabalho – olhou para a explosão de cor que havia atrás dela, com amores-perfeitos murchos e petúnias encharcadas. O seu esforço tocou-lhe, mas decidiu ignorá-lo, decidindo que se fartaria antes que chegasse a altura de arrancar a primeira erva-daninha. – Porque não me diz o que tem em mente?

– Neste momento, um copo de chá gelado. Dê uma olhadela enquanto vou buscá-lo. Falamos a seguir – dera ordens, sem pensar, toda a vida. Depois de dar aquela, virou-se e subiu os degraus do alpendre.

Por detrás dos óculos escuros, Cliff semicerrou os olhos.

«Calças de ganga de marca», pensou com uma careta, enquanto contemplava o menear gracioso das ancas antes de a rede mosquiteira se fechar. E o diamante que pendia do fio fino à volta do seu pescoço tinha no mínimo um quilate. Qual seria o jogo da menina Hollywood? Encolheu os ombros, virou as costas à casa e observou a terra.

Podia dar-lhe forma e estrutura sem a domesticar. Jamais deveria perder a sua rebeldia básica, embora reconhecesse que anos de abandono tinham dado muita vantagem à sua natureza mais agreste. Não obstante, não pensava aplaná-la para ela. Recusara mais de um trabalho porque o cliente tinha insistido em alterar a personalidade da terra, mas ainda assim não se considerava um artista. Era um homem de negócios. E o seu negócio era a terra.